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Formação em Serviço Social anticapacitista no contexto das lutas anticapitalistas

01/04/2023

Combate ao racismo, capacitismo, lgbtqfobia e outras formas de opressão é necessário para construir uma profissão alinhada às lutas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais com a compreensão de que estas opressões são estruturantes da sociedade capitalista

Uma formação em Serviço Social anticapacitista é indispensável para que assistentes sociais atuem numa perspectiva crítica da profissão em relação ao capitalismo. O capacitismo, racismo, machismo e lgbtfobia, entre outras, são opressões estruturantes da sociedade capitalista e azeitam a engrenagem do sistema que oprime as/os trabalhadoras/es.
 
O capacitismo pode ser entendido como uma forma de discriminação que é baseada em estereótipos negativos sobre pessoas com deficiência, enraizada em normas culturais e sociais mais amplas que reforçam a ideia de que as pessoas com deficiência são, de alguma forma, menos capazes ou menos valiosas do que aquelas sem deficiência.
 
A presidenta da Abepss, Erlênia Sobral do Vale, enfatizou a importância de promover nos cursos de Serviço Social o debate sobre a origem histórica do capacitismo e sua relação com um sistema que reforça a corponormatividade. Ela destacou a necessidade de criar espaços reflexivos, por meio de seminários e outras atividades, que possam contribuir para a formação de uma sociedade anticapacitista.
 
Erlênia destaca a importância de incluir ações e atitudes dentro das universidades e entidades da categoria, em parceria com movimentos sociais, reconhecendo a transversalidade do tema nos componentes curriculares com as determinações de classe, raça e sexualidade. Além disso, ela afirmou que a Abepss está estudando maneiras de ampliar sua comunicação e avançar como entidade nesse debate.
 
Desafios
 
No Dia Mundial de Conscientização do Autismo (2 de abril), é preciso que o Serviço Social reflita sobre as barreiras atitudinais, comportamentos que impedem ou prejudicam a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas. Pessoas autistas encontram uma série de barreiras cotidianamente, por terem uma forma diferente de funcionar, interagir e se comunicar. Nem sempre as pessoas estão preparadas e abertas para o diferente, o que pode levar à exclusão.
 
As diversas barreiras impostas às pessoas com deficiência, como as atitudinais, urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações e na área de informação e tecnologia, não se dão de maneira isolada, mas relacionam-se. Essa característica torna a vida em sociedade excludente para as pessoas com deficiência.
 
Fernanda Costa Ferreira, assistente social autista, trabalhadora do Judiciário do Piauí, afirma que pessoas com deficiência são marginalizadas e vistas como indivíduos que necessitam de tutela. A formação em Serviço Social deve considerar as multiplicidades de opressões presentes na sociedade. A profissional frisa que é preciso estar atenta/o ao combate ao racismo, capacitismo, lgbtqfobia e outras formas de opressão para construir uma profissão alinhada às lutas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais com a compreensão de que as opressões são estruturantes da sociedade capitalista.
 
“As pessoas com deficiência, que possuem corpos, comportamentos e características tidos como diferentes das pessoas sem deficiência são sujeitos marginalizados, no sentido de estarem à margem das discussões, dos debates, da produção e da socialização da riqueza, e muitas vezes são vistas como pessoas que precisam de tutela, que devem ser amparadas pelo estado, não na perspectiva do cuidado, mas na perspectiva da exclusão da vida em sociedade. Na contemporaneidade, as expressões da questão social adquirem novos contornos e é preciso que estejamos atentos e atentas. Não existe mais a possibilidade de construirmos um Serviço Social alinhado às lutas da classe trabalhadora, aos movimentos sociais, coadunando com nosso projeto ético-político crítico, se não combatemos o racismo, o capacitismo, a lgbtfgobia e as demais estruturas de opressão da sociedade capitalista”, defendeu.
 
Fernanda, que também é mestranda em Serviço Social Universidade Estadual do Ceará (UECE), lembra que é fundamental construir possibilidades de sociabilização em que a inclusão seja de fato uma pauta cotidiana. Isso envolve a realização de eventos com interpretes de libras, a implementação de acessibilidades arquitetônicas em espaços públicos, e outras. “É preciso cobrar do poder público e de nós mesmos a mudança dessas formas excludentes de socialização da vida, se quisermos de fato construir possibilidades de vida, e não de exclusão e morte, para todas as pessoas com deficiência”.
 
Exclusão
 
A Coordenadora Nacional de Graduação da Abepss, Elivania da Silva Moraes, defende a necessidade de uma formação anticapacitista para promover uma sociedade mais justa e igualitária. Ela afirmou que é preciso entender como o capacitismo está presente na sociedade atual para, então, empenhar-se na eliminação de todas as formas de preconceito, o que inclui não negar ou invisibilizar qualquer diferença do outro.
 
Elivania, que também é mãe de Vinicius Moraes, 10 anos de idade, com autismo leve, relatou os desafios que enfrenta diariamente, como a incompreensão das pessoas que tentam fazer com que seu filho aja "normalmente", além de julgamentos sobre sua conduta como mãe. Segundo ela, as pessoas e as instituições sócio assistenciais ainda não estão preparadas para entender e acolher as diferenças, o que tem levado muitos pais a evitar certos espaços por medo de exclusão.
 
“Felizmente tenho uma rede de apoio que se propõem a nos acolher. Mas percebo que as pessoas e as instituições ainda não estão subjetiva e objetivamente preparadas para entender e acolher as diferenças mesmo que sutis, ‘leves’, e isso tem me feito refletir se o levo ou não a determinados espaços, mesmo com toda a perspectiva critica que tenho e de não querer ter uma postura de auto exclusão. Mas percebo que esse é o sentimento de muitos pais. De fato, se lutamos por uma sociedade justa e igualitária em última instância, esse posicionamento politico deve se materializar também numa educação anticapacitista”, concluiu.
 
Para a presidenta da Abepss, que também é mãe atípica de kaique Sobral, estudante de nível médio e pessoa com autismo, a inclusão de pessoas com deficiência na sociedade e na educação encontra muitos desafios. Ela explicou que, em geral, as mães de crianças com deficiência encontram dificuldades que vão desde a busca pelo diagnóstico até a procura por serviços públicos adequados.
 
“Apesar das conquistas alcançadas pelas lutas das pessoas com deficiência no processo de ocupação dos espaços públicos, como escolas e equipamentos sociais, ainda há muita individualização dos cuidados, muitas vezes com foco nas mães, diante da falta de políticas públicas. A escola apresenta uma recepção limitada desde a matrícula, com a obrigação do acompanhamento individualizado e um material didático que passa longe das necessidades de inclusão. Ainda há muito a ser feito, mas a força do próprio movimento de pessoas com deficiência tem contribuído para avanços nessa área, na esperança de uma sociedade emancipada em que o convívio com a diferença seja cada vez mais naturalizado”, ressaltou.
 
Confira a poesia feita pela assistente social Daniela Castilho (Livro Palavras Bordadas) para um garoto autista:

Ao lado do poema você confere um quadro que é a representação estética do texto, de autoria de Letícia Sobral.

OU TUDO OU NADA
Ou tudo ou nada
Ele era assim
Melancólico, sensível, profundo
Será que o mundo haveria de compreendê-lo, aceitá-lo?
Ao invés de andar nos trilhos como um trem
O garoto preferiu ser água
Que corre pelas pedras e vai descobrindo caminhos e sensações até então desconhecidas
Ele era assim
Logo descobriu que não
Não se encaixava naquele chão
Preferia as alturas, os montes
Optara por uma vida sem reservas
E pensava: ou tudo ou nada!
Navegava por mares livres
Peraltices de um pequeno grande amor
Ouvia sonetos diluídos em seus coloridos horizontes
Brincava com os traços da chuva
Lançava seus barcos ao mar
E sempre pensava: ou tudo ou nada!
Era fevereiro quando surpreendeu a mãe
Carregava em suas pequeninas mãos um tufo de orquídeas lilás
Os olhos verde-mar da mãe transbordaram
E ele a convidou para brincar
A mãe, já embevecida de tanto olhar
Perguntou para o pequeno navegante
Brincaremos de quê?
Ele, com o vento em seus revoltosos cabelos, respondeu:
Brincaremos de viver
 
Confira indicações de leitura sobre autismo nos links abaixo:
 
Pessoas com deficiência na pandemia da Covid-19: o que o capacitismo tem a ver com isso?
 
O Aprofundamento do Capacitismo na Pandemia: velhas facetas do capital
 
Anticapacitismo e Serviço Social: vamos conversar sobre o assunto?
 

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